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EMPRESAS E O PROCESSO CIVILIZATÓRIO

Por Adalberto Wodianer Marcondes*

A cultura ocidental, que veio da Europa e colonizou as Américas, sempre teve seus vetores civilizatórios. No princípio foram as igrejas. Inicialmente a católica e depois também as igrejas protestantes, que tiveram um grande papel nos Estados anglo-saxônicos. Depois o processo passou para as mãos dos Estados Nacionais, com os processos coloniais e de formação de alianças. Centenas de guerras depois e com a maioria dos países do planeta envolvida em problemas que não consegue solucionar, como a eliminação da miséria, acesso universal à água, educação, saúde e trabalho, o mundo se vê em uma encruzilhada do processo civilizatório.

Existe uma diluição de responsabilidades e a incapacidade dos Estados em assumir mais compromissos. No entanto, cresce a importância das empresas e organizações no cenário global, como vetores de desenvolvimento e de sustentabilidade. Não uma sustentabilidade baseada nas leis, mas sim uma visão empresarial de compromisso com o desenvolvimento e com uma visão de perenidade que incorpora os conceitos de sustentabilidade em sua vertente econômica, ambiental e social.

O processo civilizatório global passou por uma verdadeira revolução na segunda metade do século XX. O primeiro evento realmente global da história da humanidade foi a Segunda Guerra Mundial, que envolveu países e povos de todos os continentes. Foi um desastre de proporções planetárias. No entanto, mudou o tamanho do mundo para sempre. As operações logísticas para abastecer as operações de guerra mostraram para as pessoas e empresas que não era tão impossível atender a mercados distantes.

Esta percepção de que os mercados estavam mais perto lançou centenas ou milhares de empresas na busca por consumidores, não importa onde eles estivessem, assim como as operações de produção também foram descentralizadas, de forma a ficar mais, próximas das fontes de matérias-primas, energia ou mão-de-obra. Milhares de empresas nasceram a partir da segunda metade do século XX e iniciaram seus caminhos rumo ao mercado global. A grande maioria das empresas que hoje tem suas operações globalizadas surgiu neste período e até o final do século XX fizeram o que todas as crianças e adolescentes fazem: cresceram e ganharam músculos.

Os mercados globais foram construídos neste período e as empresas cresceram tateando seus limites. Foi, também, um período em que os Estados criaram os marcos regulatórios locais e globais para a atividade empresarial. Foi um período de embates ideológicos onde se discutiu a fundo o papel do Estado enquanto espinha dorsal da sociedade e seus limites na gestão dos recursos. O final do século XX chegou com empresas mais maduras, com o debate ideológico, a disputa entre o comunismo e o capitalismo, esvaziado e com Estados exauridos em sua capacidade de prover as necessidades básicas de suas populações.

A herança do século XX, no entanto, foi positiva sob o ponto de vista das leis e dos compromissos com o futuro. Governos avançaram, através de instituições multilaterais, como as Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio e pactos globais como a Conferência Rio 92, protocolos internacionais como Kyoto, que regula a emissão de gases de efeito estufa, Montreal, que bane a utilização de gases que atinjam a camada de ozônio, Cartagena, sobre a biodiversidade e muitos outros. Os marcos regulatórios nacionais e internacionais sobre as atividades humanas e, principalmente, sobre as ações econômicas foram construídas e estão sendo aprimorados.

O novo século chega com desafios que precisam da profunda capacidade inovadora desenvolvida pela humanidade desde a revolução industrial. Esta versatilidade na abordagem de problemas que simplesmente não existiam, uma centena de anos atrás e o que move o novo padrão civilizatório que deverá levar a humanidade a superar os grandes desafios globais. Alguns com a capacidade de destruir o atual modo de vida caso não sejam equacionados de maneira competente e dentro de parâmetros estritos de sustentabilidade. É um tempo de inovações e quebras de paradigmas.

As empresas que nasceram e cresceram na final do século XX chegam agora a um momento de maturidade. Já ocuparam seus espaço e ganharam músculos. Agora, como todo adulto, buscam a perenidade. Não olham mais apenas para o balanço trimestral, mas sim para o lucro distribuído no tempo. Querem saber o que estarão fazendo dentro de 10, 20 ou 50 anos. Precisam pensar nas necessidades e desejos,de consumidores cada vez mais exigentes não apenas em relação a qualidade e preço, mas também em relação ao planeta em que vivem e ao custo ambiental e social dos produtos que consomem.

E os investidores então. Estes buscam empresas sólidas, que possam dar segurança ao capital investido, sem aventuras ou passivos. Se alguns anos atrás apenas a má gestão financeira e comercial poderia quebrar uma empresa, hoje sabemos de passivos ambientais e sociais podem deixar máculas indeléveis em marcas globais. Algumas vezes tão profundas que a empresa não pode mais continuar existindo. Um exemplo disto foi a Union Carbide, que após sofrer um grande acidente em dezembro de 1983, na cidade de Bhopal, na Índia, afetou cerca de meio milhão de pessoas e matou um número estimado em, 27 mil pessoas. A empresa, uma das maiores, senão a maior do setor na época, nunca mais se recuperou do golpe e acabou vendida para a Dow Chemical.

Muitos investigadores buscaram culpas e responsabilidades em relação ao acidente de Bhopal. Mas talvez o maior responsável tenha sido a arrogância da empresa em acreditar que tinha domínio absoluto de seus processos de produção e não adotou medidas de segurança adicionais. Mas, da tragédia também surgem lições e, hoje, empresas que prezam suas marcas e trabalham dentro de conceitos mais amplos de sustentabilidade buscam tomar este tipo de acidente uma virtual improbabilidade. Não apenas respeitando limites impostos pelas leis, mas indo além, buscando formas de ação que possam dar efetivas garantias de que a sociedade e o meio ambiente não serão mais prejudicados pela irresponsabilidade e pela ganância.

As organizações que deverão caminhar com a humanidade para um futuro com menos desigualdades e mais qualidade de vida são, necessariamente, comprometidas com o tripé da sustentabilidade em seu sentido mais amplo. Quando a .ex-primeira ministra da Noruega, Gro Brundtland, entregou seu relatório "Nosso Futuro Comum” encomendado pela Organização das Nações Unidas como parâmetro de sustentabilidade, em 1987, o que se esperava é que as empresas buscassem o lucro baseadas em critérios e leis de respeito ao meio ambiente e responsabilidade social. Trinta anos depois as empresas ainda estaã trilhando este caminho e vão fazê-lo para sempre, porque a sustentabilidade não é uma meta, mas uma trilha, um Norte a ser seguido sempre e que apresentará todo o tempo novos desafios a ser vencidos.

Durante todos estes anos as empresas estão trabalhando na descoberta e desenvolvimento de novos paradigmas que levem à atuação sustentável; um caminho que começou no simples respeito às leis. Por volta dos anos 60 do século passado acreditava-se que uma empresa socialmente responsável era aquela que gerava empregos e recolhia religiosamente seus impostos. As organizações passaram a ter, também, uma ação filantrópica, realizando doações para projetos de benemerência e caridade. Mais tarde, o conceito de responsabilidade social ganhou mais abrangência e a organização, passou a considerar-se responsável por algumas externalidades de seus processos de atuação econômica. Mas só mais recentemente o conceito de sustentabilidade empresarial começou a ganhar fôlego. Mesmo assim muitas organizações ainda se debatem na construção ou entendimento do conceito e das diferenças existentes entre filantropia, responsabilidade social e sustentabilidade.


O QUE É SUSTENTABILIDADE?

De uma forma bem simples, pode-se dizer que os conceitos de filantropia e responsabilidade social existem há milhares de anos. Aliás, os dois conceitos estão descritos na Bíblia, e a sustentabilidade vai um pouco além:

  • Filantropia: É dar peixe a quem tem fome.
  • Responsabilidade Social: É ensinar a pescar.
  • Sustentabilidade: É cuidar da qualidade da água do rio, das matas ciliares, evitar a erosão e trabalhar para que nunca falte peixe no rio.

A trilha da sustentabilidade não tem fim e precisa de pioneiros que mostrem que vale a pena investir em ser cada vez melhor e mais competente na atuação econômica baseada na sustentabilidade.


A IMPORTÂNCIA DO BENCHMAIS

Quando empresas, governos e organizações não-governamentais trabalham para encontrar soluções para desafios ambientais e sociais investindo recursos materiais e humanos nesta direção, estão trilhando o caminho da sustentabilidade. Por isto é importante destacar estas organizações, pois elas estão construindo as estradas por onde deverão trafegar todas as outras empresas e governos na busca por mais qualidade de vida, melhor desempenho econômico e menor impacto ambiental em suas ações.

O dinheiro investido pela empresas que estão presentes neste livro, em pesquisas e desenvolvimentos das ações que as colocaram entre as melhores do Programa Benchmarking Ambiental Brasileiro, é um recurso que vai alavancar uma transformação social e empresarial de alcance muito maior do que apenas o processo de resolver um problema local em suas unidades ou regional em suas cidades. Este conhecimento, perenizado em livro e distribuído para universidades, assume um papel civilizatório, uma vez que os novos gestores terão conhecimento das técnicas e procedimentos desenvolvidos, podendo replicá-los da busca de soluções para outros e novos desafios socioambientais do presente e do futuro.

Disseminar conhecimento e formar profissionais mais completos é, sem dúvida, uma contribuição de valor para a construção do futuro.

* O autor é diretor da Revista Digital Envolverde, publicação especializada em Meio Ambiente, Educação e Sustentabilidade, recebeu em 2006 o Prêmio Ethos de Jornalismo na categoria Mídia Digital, menção honrosa no Prêmio von Martius de Sustentabilidade da Câmara Alemã e "Jornalista Amigo da Criança pela Agência Nacional dos Direitos da Infância. Desde 1995 edita no Brasil o Projeto Terramérica, realizado em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e com a Agência Internacional de Notícias Inter Press Service. É moderador da Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais e Coordenador Geral da EcoMídias – Associação Brasileira de Mídias Ambientais.

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Meu comentário:
Texto de excelente qualidade. Além de dar um dos melhores resumos dos caminhos de crescimento da sustentabilidade, deixa clara a intenção de disseminação do conhecimento como mecanismo de evolução.

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